domingo, 13 de abril de 2008

LIVRO - José Leite de Assis 100 Anos




JOSÉ LEITE DE ASSIS
HOMENAGEM AO SEU CENTENÁRIO

Pesquisa realizada pelos historiadores
Antoane Rodrigues e Jean Pierre Guerra
Domingues.

Niterói
2008

Pesquisa Histórica e Texto
Antoane Rodrigues
Jean Pierre Guerra Domingues

Capa e Diagramação
Geraldo Ferreira de Sousa Machado

Revisão
Wanderley Francisconi Mendes

Impressão e Acabamento
Centroprint Impressões Digitais Ltda.

ÍNDICE
Apresentação.............................................................................. 5
Palavras do Homenageado......................................................... 7
Dedicatória.................................................................................. 9
As Origens................................................................................... 11
Araguaia/ Vitória........................................................................ 15
Nova Friburgo............................................................................. 17
Exposição Internacional de 1922................................................ 19
Rio de Janeiro.............................................................................. 21
Petrópolis.................................................................................... 25
Niterói......................................................................................... 27
Companhia Nacional de Cimento Portland Mauá...................... 29
Encontro com Pepa...................................................................... 31
Lar Doce Lar................................................................................. 33
Corretor de Imóveis..................................................................... 35
Pó Calcário Lavrador................................................................... 37
Primo Silvino................................................................................ 39
José Leite de Assis, segundo seus Filhos.................................... 41
Um Pouco Mais............................................................................ 45



APRESENTAÇÃO

Não é sempre que ouvimos falar de uma pessoa completando 100
anos. Não, não é comum. Poucos são os privilegiados que o
conseguem, como é o caso do contador e economista José Leite de
Assis, nascido em 1908.Segundo o IBGE, do universo de 183.987.291 habitantes no
Brasil (censo de 2007) existem cerca de 11.422 pessoas com 100
anos ou mais de idade, distribuídas entre os 5.435 municípios brasileiros.
Deste total, 7.950 são mulheres e 3.472 são homens. Nos vinte
municípios que concentraram a maior quantidade de idosos com
mais de um século de vida, os destaques foram as capitais São Luís
(144), Natal (118), Maceió (93) e Manaus (89).
São tão poucos os brasileiros centenários que suas vidas mereceriam
ser biografadas, para servir de exemplo às gerações vindouras.
E foi com esta preocupação que a família de José Leite de Assis
resolveu homenageá-lo com este livro.
Pensaram em honrar o patriarca da família com algo mais duradouro
do que salgadinhos e docinhos. Com algo menos efêmero
que trêmulas velinhas sobre um bolo. Pensaram em imortalizar a sua
memória, relembrando fatos importantes e cruciais de sua história
pessoal, apontando as características que só ele possui e que foram
decisivas para a formação de suas vidas.
Estamos honrados pela oportunidade de cumprir tão importante
missão, que é registrar a trajetória histórica de José Leite de Assis.
Esperamos que todos, ao lerem este livro, possam sorver do biografado
toda a sua experiência centenária.

Antoane Rodrigues
Jean Pierre Guerra Domingues
Historiadores

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Neste século de existência que ora completo, eu gostaria de relembrar
uns acontecidos. Quando eu nasci, em 1908, a República
iria completar dezenove anos apenas, e a Abolição da Escravatura,
vinte anos. A não ser o trem de ferro, a tração era animal. Na roça,
eram os carros de boi que transportavam as famílias dos fazendeiros.
Nas cidades, os carros, até de luxo, puxados a burros ou cavalos.
A descoberta do motor de explosão possibilitou ao nosso patrício
Santos Dumont inventar o avião. Na década de vinte, o automóvel já
se espalhara pelo mundo. Hoje, só a cidade de São Paulo possui seis
milhões de veículos. O progresso trazido pela eletricidade foi decisivo
para o desenvolvimento da eletrônica, da informática...
Mas, também assisti à catástrofe das duas grandes guerras. Principalmente
ao horror da Segunda, pois com a invenção da bomba
atômica, foram destruídas duas cidades, inteiramente, em uma fração
de segundo.
Ao relembrar um pouco, que são tantos os acontecidos, quero,
aqui, também agradecer. Aos meus pais, todo o reconhecimento por
terem me trazido ao mundo. Ele, caboclo lá do interior da Bahia,
ela, imigrante portuguesa, haviam de se encontrar em Araguaia para
constituir a família numerosa de dez filhos, contribuindo, até, para
o povoamento do País, que nessa época possuía menos de vinte milhões
de habitantes. Aos meus filhos, toda a gratidão por colaborarem
para o engrandecimento da nossa Pátria.

José Leite de Assis

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Aqui saudamos as Cem Primaveras, e os verões, outonos, também
os invernos na caminhada de Papai – exemplo amoroso e digno
por todas as estações.
Assis vive o seu tempo, vence, com liberdade, lucidez, saber,
muita Vida. A sua vida é nosso orgulho, nossa vitória. Por isso, este
pequeno livro-biografia onde muitos de nós vamos nos ver, com muito
amor.
Esta história, portanto, é dedicada a Todos que fizeram a boa
companhia e partilham o Afeto no viver do nosso Assis.
A Pepa, a mais bela presença do carinho em nossas páginas,
sempre.

Sérgio
José
Pedro
Selma

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AS ORIGENS

O contador e economista José Leite de Assis é o terceiro filho do
baiano Ricardo Leite de Assis e da portuguesa Gracinda Guedes
de Assis. Além dele, o casal teve mais quatro filhos (Ciro, Ricardo,
João e Emanuel) e cinco filhas (Dulce, Inah, Helena, Maria Gracinda
e Joana).
Sobre seu pai sabemos que era natural de Queimadas, Bahia,
cidade que surgiu a partir de 1815 com a sagração da Capela de Santo
Antônio das Queimadas, construída por Dona Isabel Maria Guedes
de Brito, proprietária da Fazenda As Queimadas. Foi em torno da
capela que se desenvolveu um pequeno povoado, com cerca de 600
habitantes.
Seu nome pode ser uma alusão à técnica de limpeza de terreno
muito utilizada pelos índios, a coivara, que consiste em colocar fogo
num determinado terreno para eliminar a mata e realizar plantações.
O município já teve outros nomes. O primeiro foi Freguesia
de Santo Antônio das Queimadas, em 1846; Vila Bela de Santo
Antônio das Queimadas, em 1884; e finalmente Queimadas, em
1915. Os nomes antigos do município sempre trazem o nome do
Santo Antônio, pois ele é o padroeiro local.
Em relação a isso existe uma lenda até hoje conhecida na
cidade. Diz a lenda que Dona Isabel Maria Guedes de Brito, proprietária
da Fazenda As Queimadas, encontrou embaixo de uma
árvore uma imagem de Santo Antônio. Ela teria levado a imagem
até sua casa, mas, por três vezes, a imagem de Santo Antônio desapareceu
para reaparecer debaixo da árvore. Assustada, buscou
ajuda dos Capuchinhos, que aconselharam a construção de uma
capela no local.

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Logo, a capela virou ponto de romarias da região. Infelizmente,
numa noite de missa, um escravo matou um homem no adro da
igreja. Segundo a lei em vigor, os senhores eram responsáveis pelos
delitos e danos causados por seus escravos, caso esses não fossem
entregues à Justiça.
O que ocorreu foi um fato bastante inusitado. Dona Isabel havia
transferido os seus bens para Santo Antônio e tudo era administrado
pela Freguesia de Santana do Tucano. Isso resultou na prisão da imagem
de Santo Antônio, que foi conduzida a Água Fria, onde teve que
prestar contas ao júri. Foram realizadas duas audiências que o condenaram,
resultando no confisco de todos os bens do Santo existentes
em Queimadas.
Outro fato que marcaria a história da cidade de Queimadas seria
a construção do prolongamento da estrada de ferro que ligou Salvador
a Juazeiro (1886-1896), posteriormente conhecida como Estrada de
Ferro do São Francisco (1896-1911). Nesta estação, desembarcaram
quatro expedições entre 1896 e 1897, para combater os revoltosos de
Antônio Conselheiro em Canudos, pois era o ponto mais próximo ao
famoso arraial. A chegada da primeira expedição foi recebida com
alegria e festas; na terceira delas, entretanto, a derrota e morte de
Moreira César, considerado um comandante imbatível, trouxe a fuga
da população da cidade.
Durante a Guerra de Canudos, José Leite da Silva, pai de Ricardo
Leite de Assis, aconselhado pelos amigos de Queimadas, arranjou
um emprego na Estrada de Ferro Central Inglesa para seu filho, evitando
seu recrutamento pelo governo. Outros moradores não tiveram
essa sorte, pois foram chamados a integrar as tropas, por conhecerem
muito bem a região e serem considerados úteis nos ataques ao arraial
de Antônio Conselheiro.
A guerra acabou em outubro, com o massacre dos revoltosos.
Queimadas virou uma cidade deserta, segundo nos narra o jornal Gazeta
de Notícias do Rio de Janeiro, de 17 de outubro de 1897:

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“Queimadas, aliás Vila Bela de Santo Antônio
das Queimadas, é uma povoação modesta, construída
à margem do Itapicuru-Açu, que serve à população.
Tem duzentas casas de péssima construção e proporções
acanhadas, dispostas em ruas muito irregulares.
Além da estação da linha férrea, tem a estação telegráfica
e a agência do correio, únicas repartições civis, e
menos ainda quando o agente do correio abandonar a
agência, porque, diz ele, hoje que tem muito serviço tiraram-
lhe uma desgraçada gratificação de 10$000 por
mês. A população da vila retirou-se toda desde o início
das operações em Canudos. Queimadas é hoje um vasto
quartel. Todas as casas estão ocupadas por militares:
tem o quartel-general, a casa do comando da praça,
a secretaria, o depósito de artigos bélicos, depósito de
forragens, o hospital de sangue, farmácia militar dirigida
pelo capitão Isaías de Mello, quartel da guarnição, e
tudo mais é ocupado por forças fixas e a seguirem para
o campo de ação.”

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ARAGUAIA / VITÓRIA

Logo após a Guerra de Canudos, entre 1901 e 1902, Ricardo Leite
de Assis parte para Araguaia em busca de seus sonhos.
Ele encontra uma cidade colonizada, em quase sua totalidade,
por colonos alemães e italianos que deixaram a terra natal por causa
da fome e do desemprego. Chegaram a Vitória, em 21 de dezembro
de 1846, para substituir a mão-de-obra escrava. Vindos da Prússia
Renânia, totalizavam 39 famílias que seguiram, em 27 de janeiro de
1847, para a Colônia de Santa Isabel, primeiro núcleo de colonização
da região, fundada por Luiz Pereira do Couto Ferraz, presidente da
Província do Espírito Santo. A partir daí, outras levas de imigrantes
chegaram para povoar as cidades do Espírito Santo.
Com as suas tradições, os imigrantes vieram muito esperançosos
de encontrar melhores condições de vida, de um novo começo.
Seu otimismo foi fundamental para a fixação em solo brasileiro e o
sucesso dos seus empreendimentos.
A influência do modo de vida dos colonos, com o seu tino
comercial, logo levou Ricardo a abrir o seu próprio negócio. As suas
principais atividades eram o estabelecimento de secos e molhados e
a comercialização de café que, durante a Primeira Guerra Mundial,
triplicaria de preço.
Ele adquiria a produção da colônia italiana e a beneficiava no
terreiro e pila da sua fazenda, que ficava próxima à estação da estrada
de ferro, por onde seguia para a firma inglesa Hard Hand, exportadora
localizada em Vitória.
Foi neste período que conheceu Gracinda Guedes, sua futura esposa,
filha do português Joaquim Guedes. Do seu casamento, nascem
em Araguaia seus primeiros filhos: Dulce (1904), Inah (1906), José
(1908) e Ciro (1912).

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Com o passar do tempo, adquire considerável fortuna. Vende
seus negócios em Araguaia, em busca de uma melhor educação para
os filhos, mudando-se para Vitória, em 1912. É lá também que nasce
sua terceira filha, Helena, no ano de 1913.
Em Vitória compra a Casa Verde, comércio de roupas e calçados
masculinos de luxo. Sem nenhuma experiência neste ramo de negócios,
começa a ver seu empreendimento falir aos poucos. O maior
problema era que as roupas, calçados e chapéus estavam fora de
moda, e renovar todo o estoque estava fora de cogitação. Para resolver
esse problema envia caixeiros-viajantes para o interior do Estado,
na esperança de vender seus produtos e conseguir algum lucro. Essa
estratégia não deu certo, pois grande parte dos caixeiros-viajantes
sumiu ou não prestou as devidas contas.
Com este golpe do destino, em pouco mais de um ano seu negócio
começa a dar prejuízos. Desanimado, e com a saúde abalada,
procura um médico que o aconselha a mudar-se para Nova Friburgo,
cidade de águas cristalinas e excelente clima.
Até os dias de hoje, vale ressaltar que José Leite de Assis possui
um vínculo afetivo muito forte com Araguaia, no atual município de
Marechal Floriano/ES, em parte por causa da grande amizade com
membros da Família Lorenzoni, descendentes do seu padrinho Pedro
Tononi.

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NNOVA FRIBURGO

Ao chegar a Nova Friburgo, Ricardo e sua família conseguem
uma casa bem no centro da cidade, perto do rio Bengala. Logo
após, adquire a pensão de Inácio Bornay, organizando a Pensão Santa
Cruz. É nesta nova cidade que nascem seus filhos Ricardo, Maria
Gracinda, João, Joana e Emanuel.
Mais tarde, vendeu a pensão e comprou um negócio de secos
e molhados que, por causa dos prejuízos decorrentes da prática do
fiado, também venderia.
Comprou a Chácara do Moinho, onde produzia rosas, cravos,
violetas de Parma e margaridas. Muitas dessas flores eram embarcadas
para o Rio de Janeiro, pela Estrada de Ferro Leopoldina, cujo
destino final era a Casa Flora (Rua Gonçalves Dias) e o Mercado das
Flores (Praça Olavo Bilac).
Foi em Nova Friburgo que José Leite de Assis começou a despertar
para o fascinante mundo da cultura e do comércio. Estudou
com o professor Ricardo Carpenter, que acreditava na importância
de uma vida saudável e frugal. Adepto da homeopatia, em suas aulas
impressionava os alunos ao mostrar uma coleção de remédios alopáticos
que lhe haviam sido receitados, pela vida toda. “Os remédios
estão aqui, estão vendo? Se eu os tivesse tomado, não estariam na
prateleira. E eu, será que estaria aqui?”, perguntava o professor.
O que marcaria a memória de José Leite de Assis profundamente
seriam as apresentações da Sociedade Musical Beneficente Euterpe
Friburguense, fundada em 26 de fevereiro de 1863 pelo português
Samuel Antônio dos Santos. Em 1870, ocorreu uma cisão na banda,
em decorrência de divergências entre monarquistas e republicanos,
tendo estes se retirado da Sociedade, e fundado a Banda Campesina.

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A Banda Euterpe Friburguense foi a primeira a admitir uma mulher
entre seus músicos (a clarinetista Eliete Miranda Pereira), e é
também a banda sinfônica mais antiga do País, com 142 anos de atividades
ininterruptas, e uma das mais antigas do mundo.
José Leite de Assis aproveitava suas horas vagas para aprender o
ofício de guarda-livros (atual profissão de contador) com Enéas Cereja,
conceituado profissional da cidade. O conhecimento adquirido
nestas aulas, no momento certo, marcaria toda a sua vida. Foi convidado
para ser o guarda-livros da empresa M. Santos & Cia., sendo
o responsável pela contabilidade da Padaria Friburgo, da Farmácia
Central e de um depósito de aguardente.
Com a venda da Chácara do Moinho, a família Assis compra
uma casa no Centro de Nova Friburgo. Um vizinho da frente, o português
Manoel Duarte Lemos, visita a Padaria Friburgo e vê o jovem
José trabalhando. Admirado, oferece-lhe o cargo de auxiliar em sua
fábrica de artefatos de metal de São Cristóvão, no Rio de Janeiro,
onde ele viria a trabalhar mais tarde, em 1926.

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EXPOSIÇÃO
INTERNACIONAL DE 1922

Em 1922, José Leite de Assis, aos 14 anos de idade e usando calças
compridas pela primeira vez, realizou sua primeira viagem
ao Rio de Janeiro, acompanhado de seu pai, para visitar a Exposição
Internacional com seus monumentais edifícios e aparatos de luz.
Esta visão o impressionou de forma profunda, pois nunca tinha visto
construções tão majestosas e milhares de lâmpadas que transformavam
a noite em dia.
O objetivo da Exposição Internacional era comemorar o primeiro
Centenário da Independência do Brasil, cuja abertura ocorreu em
7 de setembro de 1922. Esta data também marca a inauguração do
rádio no Brasil, tendo como primeira transmissão radiofônica a saudação
solene feita pelo presidente Epitácio Pessoa, que foi transmitida
através da estação de 500 watts montada pela companhia norte americana
Westinghouse, no alto do Corcovado. Mesmo com uma
recepção imperfeita, o discurso pôde ser captado por alto-falantes
instalados pela Exposição, além de alguns aparelhos de rádio distribuídos
pelo governo em São Paulo, Petrópolis e Niterói.
De caráter internacional, os pavilhões ocuparam a área resultante
do aterro em frente ao bairro da Misericórdia, feito com material
da demolição do Morro do Castelo. Alguns edifícios foram especialmente
construídos e outros, já existentes, foram reformados e aproveitados
para o evento. Eles abrigaram produtos típicos de vários
Estados brasileiros, e de países amigos como Argentina, Bélgica, Dinamarca,
Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália, Japão, México,
Noruega, Portugal, Suécia e Tchecoslováquia.
Em seus pavilhões vislumbravam-se estilos arquitetônicos bastante
diversificados e, mais do que isto, aspectos culturais, produtos
e particularidades que transformaram a Exposição numa imensa vitrine
das nações.

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Atualmente, restam da Exposição Internacional apenas os pavilhões
da Administração do evento e do Distrito Federal (atual Museu
da Imagem e do Som), da França (a réplica do Petit Trianon, ocupada
pela Academia Brasileira de Letras), da Estatística (Serviço de Saúde
dos Portos, muito modificado) e o Palácio das Indústrias (Museu
Histórico Nacional).
Depois de receber três milhões de visitantes, a Exposição encerrou-
se a 7 de setembro de 1923. E José Leite de Assis esteve lá,
visitando todos os pavilhões e conhecendo um pouco da cultura
mundial.



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RIO DE JANEIRO

Em 1926 José Leite de Assis, no esplendor dos seus 18 anos, seguiu
para a cidade do Rio de Janeiro para estudar, incentivado por seu
pai, onde foi morar com seu primo Silvino e trabalhar na firma Duarte
Lemos & Cia., em São Cristóvão, na Rua Figueira de Melo.
A especialidade da Duarte Lemos era a fabricação de peças metálicas
para montaria (arreios, estribos) e construção civil (maçanetas,
tramelas). Um ano depois, a firma estaria falida por culpa da
Coluna Prestes (1924 a 1930), que marchava pelo interior do Brasil
fazendo requisições de material a diversas firmas, entre elas as que
comercializavam com a empresa de Duarte Lemos, não efetuando
nenhum dos pagamentos prometidos.
Desempregado, conheceu Jair Brum Amarante, viajante da
Companhia Souza Cruz, produtora de cigarros no Brasil, subsidiária
da British American Tobacco. A Companhia foi fundada por Albino
Souza Cruz, em abril de 1903, no Rio de Janeiro, dando origem a um
dos cinco maiores grupos empresariais do Brasil, detentora da atual
liderança no mercado tabagista nacional.
Como viajante, Jair tinha como tarefa ir de cidade em cidade
vendendo aos comerciantes os vários produtos da empresa no interior
do Estado, ao longo da estrada de ferro. Vale ressaltar que nesta
época não existiam as estradas de rodagem, o transporte de materiais
era realizado inteiramente por ferrovias. Ele possuía, para cumprir
esta tarefa, uma carteira quilométrica (equivalente ao RioCard) que
lhe permitia viajar por todo o Estado.
Foi conhecendo o novo amigo que José Leite de Assis soube
da vaga para trabalhar no escritório central da empresa, no setor de
almoxarifado, no qual trabalharia arduamente como funcionário até
a Revolução de 1932.

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Um fato curioso merece ser citado. A Souza Cruz exigia que
seus funcionários fossem usuários ativos de seus produtos, tendo inclusive
que consumir um maço de cigarros por dia. Dessa forma,
Assis aprendeu a fumar, tornando-se tabagista durante muito anos.
Ele conta que foi seu filho Pedro que o ajudou a parar de fumar.
Certo dia, enquanto fumava distraidamente em sua casa na Travessa
da Baronesa, notou que o filho pegou o seu cigarro e o colocou na
boca. A criança, com cara de repulsa, perguntou: - É ruim, não é pai?
Sem uma resposta plausível, ele balança afirmativamente a cabeça.
Pedro argumenta: - Então, por que você fuma? Admirado, Assis respondeu:
- Você tem razão meu filho, isso é ruim mesmo. Resoluto,
Assis pegou o maço de cigarros, amassou-o na frente do filho e jogou-
o no terreno baldio ao lado. Deste dia em diante, não pôs mais
nenhum cigarro na boca.
Ao sair da Souza Cruz, monta uma companhia de carga que
transportava produtos para os Estados do Rio de Janeiro e São Paulo,
mas que não deu certo, pois a Revolução requisitou os caminhões e
nunca mais os devolveu. Sem contar que também foi convocado pela
Revolução de 30, mas, por um golpe do destino, não lutou na linha
de frente como muitos jovens de sua idade. O coturno (bota militar
de cano longo) havia lesionado o seu calcanhar, impedindo-o de fazer
determinadas manobras militares.
Sua primeira experiência política foi com o Partido Autonomista
do Distrito Federal, fundado em 4 de março de 1933. Esse partido
tinha como principal meta defender na Assembléia Constituinte a autonomia
política e administrativa do Distrito Federal, notadamente
o direito do povo carioca de eleger seu prefeito e possuir um corpo
legislativo semelhante às assembléias estaduais.
O Partido Autonomista congregou figuras de destaque como
Augusto Amaral Peixoto Júnior, Pedro Ernesto, Luís Aranha, irmão
de Osvaldo Aranha, o poeta Olegário Mariano, Ernesto Pereira
Carneiro, proprietário do Jornal do Brasil, e personalidades de
grande prestígio entre a classe média e as massas populares do Rio
de Janeiro, como o cônego Olímpio de Melo e a líder feminista
Bertha Lutz.

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Infelizmente, durante o processo de filiação ao Partido, Assis
teve sua carteira de reservista perdida. Segundo ele, essa foi uma
perda irreparável, pois a carteira narrava toda sua passagem pelo Tiro
de Guerra da Escola Superior de Comércio, sediada na Praça da República,
em frente ao Campo de Santana, onde eram ministrados os
exercícios de ordem-unida. As outras lições, como tiro ao alvo, eram
dadas na Escola Superior de Sargentos de Infantaria, na Vila Militar.

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PETRÓPOLIS

Mais tarde, Assis tornou-se identificador do Ministério do Trabalho,
cuja função consistia no cadastramento de trabalhadores e
emissão das carteiras de trabalho.
Em 1935 estourou a Intentona Comunista, uma tentativa de
golpe contra o governo de Getúlio Vargas, realizada em novembro
de 1935 pela Aliança Nacional Libertadora (ANL), sob a liderança
do Partido Comunista Brasileiro. A Intentona pode ser considerada
como uma conspiração de natureza político-militar, pela suas
reivindicações políticas imediatas (de protesto puramente políticoinstitucional
contra um governo autoritário) dentro do quadro dos
movimentos tenentistas realizados no Brasil desde a década de 1920.
No entanto, associou estas reivindicações, sob influência comunista,
à idéia de uma revolução nacional-popular contra o imperialismo, as
oligarquias e o autoritarismo propondo, inclusive, o não-pagamento
da dívida externa, a reforma agrária e o estabelecimento de um governo
de base popular.
Foi neste clima de agitação política que José Leite de Assis é
transferido para a cidade serrana de Petrópolis. Lá ele identifica alguns
trabalhadores, entre eles Raymundo Padilha (futuro interventor
do Estado do Rio de Janeiro, durante a Ditadura Militar pós-golpe de
1964), subgerente do Banco do Brasil e chefe integralista. Foi justamente
em Petrópolis que ele tem contato com o Integralismo, tornando-
se fervoroso opositor da Ação Integralista Brasileira (AIB).
A AIB era um partido político fundado, em 7 de outubro de
1932, por Plínio Salgado, escritor modernista, jornalista e político.
Logo que o partido deu início às suas atividades, influenciado por
ideologias fascistas contemporâneas, começaram a acontecer conflitos
com grupos políticos rivais, como ocorridos entre partidos fascistas
e socialistas de outros países.

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Os integralistas ficaram conhecidos como camisas-verdes, devido
aos uniformes que utilizavam. A AIB, assim como os demais
partidos brasileiros, foi extinta após a instauração do Estado Novo,
ocorrida em 10 de novembro de 1937, pelo então presidente Getúlio
Vargas.
As manifestações de violência e as idéias retrógradas do Integralismo
incomodavam Assis. Algo estava errado, e algo precisava
ser feito. Por esta razão fundou, juntamente com Manoel Autran, o
jornal Brasil Liberto. Sua principal missão era combater a ideologia
do Integralismo e denunciar seus abusos de poder.
Foi em 1935, ano em que chegou a Petrópolis, que ocorre o
primeiro grande conflito entre integralistas e associados da Aliança
Nacional Libertadora, na cidade. Aliancistas desfilaram na frente da
sede local da AIB, dando origem ao tumulto, ao estalar de tiros e garrafadas.
Muitos manifestantes de ambos os lados ficaram gravemente
feridos e um deles, o operário Leonardo Candu, alistado na ANL,
morreu após ser socorrido no Hospital Santa Teresa. O delegado de
polícia Toledo Piza comunicou os incidentes ao Governo do Estado
e às autoridades federais, confessando-se impotente para manter a
ordem.
Neste mesmo ano, novos conflitos entre aliancistas e integralistas
em Petrópolis resultam na morte do investigador de polícia José
Leopoldo Tinoco de Azeredo, 21 anos, natural de Niterói. Era filho
de José Correia de Azeredo Coutinho, o Juca Barulho, e de Conceição
Lacerda Tinoco.
Os integralistas atacavam qualquer movimento contrário a sua
ideologia. Numa dessas manifestações de violência tiram à força das
bancas de jornal uma edição inteira do Brasil Liberto, colocando fogo
nos exemplares pelas calçadas da cidade.
Mas a vingança não parou por aí. Contaram a Assis que os integralistas
fizeram uma lista negra de pessoas que precisavam ser silenciadas,
e que o nome dele encabeçava a lista. Sentindo-se inseguro,
foge de Petrópolis, pegando o primeiro trem para Niterói.

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NITERÓI

Saindo de Petrópolis, em 1935, foi morar com seu irmão Ricardo,
que trabalhava como tipógrafo no Barreto, na pensão da espanhola
Dona Dolores, localizada na esquina das Ruas Saldanha Marinho
e Visconde do Uruguai, no Centro da cidade.
Por prudência, silencia todas as suas atividades contra o Integralismo,
pois a cidade de Niterói também fervilhava de integralistas
por todos os lados. Só para se ter uma idéia, em 1933 foi realizada a
primeira grande manifestação integralista em Niterói, com a presença
de Plínio Salgado, que inaugurou o núcleo local da Ação Integralista
Brasileira no escritório do advogado Antônio Mota, sobrado da Rua
da Conceição, nº 25. Após a solenidade, Plínio pronunciou conferência
no salão nobre da Escola Normal, hoje Liceu Nilo Peçanha.
Além de Antônio Mota participaram da fundação do núcleo
integralista Thiers Martins Moreira, Ataliba Passos Lepage, Tycho
Ottílio Machado, Lealdino Alcântara, Francisco Portugal Neves,
Alexandre Brasil de Araújo, Francisco de Almeida Cazes, Cláudio
Viana, Nelson de Lacerda Nogueira, Hermes da Mata Barcelos,
Luís Sauerbronn, Benedito de Morais, Cesário Gomes de Souza,
Raul Stein de Almeida e o mencionado Antônio Mota. O próprio
Plínio Salgado retorna à cidade, no mesmo ano, para presidir a solenidade
de lançamento do jornal O Integralista, porta-voz da AIB
no Estado do Rio.
Mas as visitas de Plínio Salgado, como sempre, não passaram
sem incidentes. Durante sua pregação integralista, realizando conferência
no salão nobre da Escola Normal, o jornalista Eurípides Ribeiro
foi ameaçado de agressão por se negar a estender o braço e repetir
o tradicional Anauê! que servia de grito de guerra dos integralistas.
Professores e jornalistas protestaram junto ao interventor Ari Parrei-

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ras, que proibiu a cessão de prédios do Estado para quaisquer atividades
de caráter partidário. Mesmo assim, as conferências eram feitas
em toda a cidade, arrebanhando muitas adesões.
Em 1935, José Leite de Assis encontra a cidade de Niterói em
polvorosa. Realizava-se um comício da Aliança Nacional Libertadora,
na Praça Araribóia, em protesto contra os incidentes de Petrópolis,
onde comunistas e integralistas se enfrentaram nas ruas, com mortos
e feridos. Foi aberto pelo presidente da Federação Proletária, Horácio
Valadares, figurando entre os oradores Francisco Mangabeira, Demétrio
Haman, Maurício de Lacerda e o jornalista Carlos Lacerda.
Mesmo com essa agitação, Assis se sentia totalmente satisfeito
em morar em Niterói. A cidade nessa época era servida pelos bondes
elétricos, instalados em 1883, sendo substituídos pelos troley-bus,
em 1953. Sempre atento, regozijou-se com as muitas modificações
urbanísticas implantadas na cidade, tais como a abertura da Avenida
Amaral Peixoto (1940), inauguração do Complexo Esportivo Caio
Martins (1941), demolição do trampolim da Praia de Icaraí (1964),
construção da Avenida do Contorno (1967), construção da Via Litorânea
(1970), inauguração da Ponte Presidente Costa e Silva (1974) e
o lançamento do Caminho Niemeyer (2001).
Muitos fatos dramáticos, entretanto, deixaram marcas permanentes
em sua memória. A Revolta da Cantareira (1959), a morte
trágica do governador Roberto Silveira (1961), o incêndio do Gran-
Circus Norte-Americano (1961) e a fusão inesperada dos Estados do
Rio de Janeiro e Guanabara (1975).
Ele elegeu Niterói como a cidade do seu coração, e foi aqui que
realizou todos os seus sonhos, formando sua família.

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COMPANHIA NACIONAL DE CIMENTO PORTLAND MAUÁ

Em 1938, José Leite de Assis estava passeando pela cidade quando
passou um ônibus da Companhia Nacional de Cimento Portland
Mauá, transportando os funcionários para a fábrica de Guaxindiba.
Imediatamente, se interessou em trabalhar lá. Foi consultar seu pai
que, em 1936, estava em Niterói para trabalhar na Assembléia Legislativa
Estadual.
Seu pai procurou um deputado e pediu que o recomendasse
para ingressar na firma. Com o cartão de visita do parlamentar, foi
imediatamente à sede da Companhia, onde recebeu a recomendação
para procurar uma pessoa, que o indicaria a um cargo. A pessoa não
estava. Para sua sorte, encontrou um velho amigo, Mackenzie, que
trabalhou na Souza Cruz. Conversando com Mackenzie descobriu
que a indicação do deputado não daria em nada. Mas a visita não foi
em vão, pois o amigo lhe conseguiu o emprego.
A fabricação do cimento Portland é um processo bastante interessante.
Ele foi descoberto pelo construtor inglês Joseph Aspdin,
com suas experiências envolvendo processos de mistura, queima e
moagem de argila e pó de pedra calcária retirado das minas. Neste
desenvolvimento, Aspdin conseguiu um material no qual, misturando-
se uma certa quantidade de água, era produzida uma argamassa.
Depois, deixava-a secar, conseguindo um material de dureza parecida
com as pedras utilizadas nas edificações. Por fim, o construtor
patenteou este pó em 1824, com o nome de cimento Portland, em
homenagem às rochas que eram extraídas na península inglesa de
mesmo nome.
As várias indústrias produtoras de cimento permitiram que o
Brasil passasse, da condição de importador para a de exportador, tornando-
o um dos maiores líderes mundiais na produção do produto.

29


Vale ressaltar que o município de São Gonçalo passava por uma
significativa fase de urbanização e industrialização. A grande parte
das indústrias buscava localizar-se na orla ou possuir portos particulares.
Aquelas que não tinham essa localização buscavam outros
meios para obter a ligação, como o caso da Companhia Nacional de
Cimento Portland Mauá que construiu, com recursos próprios, um
canal para possibilitar o acesso ao rio Guaxindiba e facilitar o embarque
de sua produção.
O canal de Guaxindiba era o mais importante da cidade de São
Gonçalo. Foi aberto com uma distância de dois quilômetros, desde a
fábrica de Cimento Portland até o rio Guaxindiba, pela margem direita.
Seu principal objetivo era transportar toneladas de cimento, até
o porto do Rio de Janeiro, utilizando chatas (embarcações de carga)
para este fim.
A fábrica de Guaxindiba disponibilizava um ônibus para buscar
todos os funcionários ligados à administração. Na primeira vez que
Assis entrou no ônibus da empresa viu seu sonho virar realidade. Ele
iria dedicar à Companhia Nacional de Cimento Portland Mauá exatos
30 anos, trabalhando com dedicação entre 1938 e 1968.
Além disso, participou do Sindicato de Cal e Gesso de São
Gonçalo, fundado em 1931. Representou o sindicato como delegado
eleitor, junto ao IAPI (Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários),
para a escolha dos dois conselheiros representantes dos
empregados, em 1942.
Mais tarde, o terreno do antigo sindicato foi transferido para a
construção do Esporte Clube Incor, fundado em 8 de agosto de 1937
e que, em outubro de 1944, mudaria o nome para Clube Esportivo
Mauá.

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ENCONTRO COM PEPA

Já haviam se passado seis anos desde que José Leite de Assis foi
contratado pela Companhia Nacional de Cimento Portland Mauá.
Tudo parecia perfeito, mas faltava alguma coisa.
Um domingo cinzento de junho de 1943, Assis estava no bar da
esquina das Ruas Visconde do Rio Branco e José Clemente tomando
café com um amigo quando, de repente, passa a irmã do jogador Zizinho.
Todas as atenções se voltaram para ela. Ora, a morena era escultural
e, ainda, irmã de uma celebridade. Quem não conhecia Tomás
Soares da Silva, o Zizinho, um dos nossos maiores craques de todos os
tempos? De 1939 a 1950, jogou no Flamengo, conquistando o Campeonato
Carioca de 1939, e o Tricampeonato Estadual (1942, 1943 e
1944). Pelé já confessou que Zizinho era seu ídolo; considerado, também,
um jogador completo, Zizinho, afinal, foi quase um Pelé.
Pois bem, naquele domingo, o amigo do Assis resolve seguir a
morena, e o convida para fazer companhia. Chegam ao Parque de
Diversões Road Island, Rua Dr. Celestino (onde hoje se localiza um
posto de gasolina). Lá, imediatamente, Assis se encanta com uma
jovem loura e alegre, os olhos de um azul indescritível. Ela sorri para
ele. E com um grupo de amigos e a irmã Hermínia ela segue num
brinquedo. Era a Josepha, a amada Pepa de uma vida inteira, e ele
ainda não sabia o seu nome.
“Minha atenção era toda para ela. Trocamos olhares,
aguardei que saísse da roda-gigante, depois a segui
até a carrocinha de pipoca. Ela me ofereceu uma, guardei
no bolso do paletó. Eu estava de terno branco, mas
do vestido dela não me recordo, eu só me fixava naquele
rosto. Nessa mesma noite, já levei Pepa ao portão da
casa dela, e daí em diante nos vimos todos os dias”, conta
Assis.

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Do primeiro encontro até o casamento se passaram seis meses.
Ele tinha 35 anos e ela 25. Nesta época, ele estava cursando a Faculdade
de Ciências Econômicas e Administração de Niterói; formarse-
ia na primeira turma do curso, em 1946. Antes, havia cursado a
Faculdade Fluminense de Comércio, diplomando-se em 1943.
No dia 15 de janeiro de 1944 firmaram seu matrimônio, na Matriz
de São Lourenço da Várzea, localizada no Ponto de Cem Réis,
em São Lourenço. Uma das principais características dessa igreja é a
sua torre que tem o formato de uma flecha aguda, com um zimbório
encimando os dois corpos decorados por colunas jônicas. Sua fachada
principal é dominada pela torre central que avança em relação ao
resto da construção e divide-se em três níveis de estilos arquitetônicos
(dórico, jônico e coríntio).
Foi neste ambiente de estilo eclético, de tendência neoclássica,
que o novo casal se uniu. Assis elegeu como padrinho de casamento
Hans Fischer, seu chefe na companhia de cimento, enquanto Pepa
escolheu Severo Rocha, dono de uma fazenda em Araruama, local
onde o casal passou a lua-de-mel.

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LAR DOCE LAR

Quando se casaram, Assis e Pepa combinaram com um amigo
engenheiro que este daria a eles a preferência do aluguel de uma
casa de vila na Rua Silva Jardim, na Ponta da Areia, assim que este
se mudasse. Essa promessa deveria ser seguida à risca, pois encontrar
uma boa casa de aluguel nesta época era muito difícil.
Moraram algum tempo na casa do cunhado de Pepa, o dentista
Newton Pio Borges, na Rua Dr. Celestino (Centro). Depois se mudaram
para a casa do pai de Pepa, Rafael Chacon Troyano, na Rua Soledade
(Fonseca), onde ficaram o tempo suficiente para o nascimento
de Sérgio (28/10/1944), seu primeiro filho. Logo após, o engenheiro
cumpriu sua promessa e cedeu a casa da Ponta da Areia. Moraram lá
três anos, sendo depois despejados, pois o dono do Banco do Barreto
comprou toda a vila e a revendeu aos antigos moradores, com exceção
das casas da frente, que foram dadas aos seus filhos.
Logo após foram morar na casa da Travessa da Baronesa, nº 16, térreo,
no Fonseca, posteriormente adquirida através de financiamento. Foi
nesta casa que nasceram seus filhos José (3/1/1949) e Pedro (1º/7/1950).
Nove anos depois do nascimento de sua filha Selma (1º/3/1952), resolveram
se mudar para uma casa maior na Travessa 28 de Março, Centro,
demolida para a construção de uma das alas do Plaza Shopping.
Mais tarde se mudaram para a casa da Rua Presidente Backer,
nº 34, Icaraí, onde, segundo Assis “passei os melhores dias da minha
vida. Foi lá que formei e casei todos os meus filhos”. Uma nova
mudança foi feita, desta vez Assis e Pepa foram para um apartamento
no edifício Belvedere, na Praia de Icaraí, nº 211, esquina com a
Rua Pereira da Silva. E, posteriormente, os dois moraram no edifício
nº 87 da Avenida Ari Parreiras.
Na década de sessenta, e por quase vinte anos, Assis manteve
uma casa de veraneio, próxima à lagoa de Araruama, na Rua Hondu-

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ras, nº 56 onde, nos finais de semana, a família e amigos passavam
momentos de descontração e lazer. Com o tempo, Assis iniciou o
negócio de extração de conchas, que eram vendidas para a fabricação
de cal e farinha de ostras. Chegou a ter duas lanchas concheiras, uma
delas com o nome de sua filha Selma.
A criação dos filhos do casal Assis sempre teve como parâmetro
o acesso à cultura e à educação, além de uma formação moral sólida.
Todos os filhos fizeram cursos de idiomas e de música, aprendendo a
tocar instrumentos musicais, tais como o piano e o acordeom.
Pepa sempre sentou com seus filhos para ajudá-los, na medida
do possível, nos deveres de casa. Ela foi, de certa forma, a primeira
professora de sua prole. Sempre estava presente, assim como Assis,
para aconselhar os filhos no que fosse preciso.
Assis sempre comprava livros para enriquecer a cultura de sua
família. Dentre eles, os mais importantes para a formação dos seus
filhos foram a Enciclopédia Delta-Larousse, a coleção Tesouro da Juventude
e uma coletânea literária da Editora Melhoramentos, recebidas
aos pares pelo correio a cada bimestre. Os livros eram devorados
pelos filhos que, mesmo depois de adultos, ainda são influenciados
por seus ensinamentos.
Também aprenderam o valor do trabalho e do dinheiro. Um
exemplo disso é Sérgio que, na época de menino, vendia ingressos
aos seus coleguinhas para a exibição de filmes, na varanda de sua
casa, usando um projetor infantil, o Cine Barlam.
Todos os seus filhos são casados. O primeiro a casar foi o engenheiro
José com Regina Célia, tendo com ela dois filhos, Márcio e
Daniela. Da sua união com Márcia, nasceu sua filha Clarice. E, atualmente,
com Sílvia teve sua filha Iasmin.
O segundo a casar foi o advogado Sérgio, que se uniu a Beatriz
e tiveram Sérgio Ricardo que, por sua vez, casou com Gilvania, mãe
de Laryssa, nascendo João Victor, primeiro bisneto de Assis.
O médico Pedro se casou com Glória Maria, que lhe deu sua
filha Anamaria. Uniu-se, em segundas núpcias, com Luzinete, mãe
de Vitória.
A professora de piano Selma se casou com Samuel e com ele teve
Leandro, que se casou com Leila, gerando Renan, segundo bisneto.

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CORRETOR DE IMÓVEIS

No dia 3 de janeiro de 1950, seria comemorado o primeiro aniversário
do seu filho José. Pensando nisso, José Leite de Assis não
foi almoçar no restaurante da Companhia, permanecendo no escritório
para adiantar o serviço e sair mais cedo.
Neste dia, ali apareceram o advogado Camilo Silva e o professor
e deputado estadual Dayl de Almeida, diretores do Setor Diocesano
de Ação Social, do Arcebispado de Niterói.
Eles haviam adquirido, na gestão de Dom João da Mata (1948 a
1954), uma grande faixa da fazenda do Laranjal, que ia de Guaxindiba
até Pacheco. Perguntaram se havia algum cais no local. Imediatamente,
Assis mostrou o cais da Companhia que servia para o transporte
do óleo para a termoelétrica da fábrica, e de cimento, ambos
transportados por chatas.
Os visitantes simpatizaram quase que instantaneamente com
Assis, a ponto de convidá-lo para ser o responsável pela venda dos
lotes da Fazenda do Laranjal. Esta região era uma grande produtora
de laranjas, porém, com a deflagração da Segunda Guerra, as exportações
de produtos agrícolas entraram em colapso, ocasionando a
falência das fazendas existentes no período.
Por isso, ocorre nessa época um grande fluxo migratório em direção
à capital da República, visto que o meio rural já não oferecia
mais condições de trabalho para a maioria das pessoas. Esse aumento
populacional ocasionou o crescimento dos subúrbios e a procura
por loteamentos próximos às áreas industriais. Conseqüentemente, a
venda de loteamentos tornou-se um negócio bastante lucrativo.
A plantação da Fazenda do Laranjal foi substituída rapidamente
pelos loteamentos. Quando Assis assume o empreendimento descobre
que não havia a formalização de lotes, mas, sim, de inscrições.

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Os primeiros compradores inscritos ganhavam o direito de escolher
os melhores lotes. Ele próprio comprou um sítio (com 32 mil metros
quadrados) com quase duas mil laranjeiras, onde seus filhos mais tarde
acamparam quando integraram o Movimento Escoteiro.
Em 1952 conheceu Dona Adelaide Corrêa Machado, proprietária
de uma fazenda entre Lagoinha e Pacheco, que o procurou muito
interessada em lotear sua propriedade. Juntos, criaram o loteamento
Jardim Nossa Senhora da Conceição, com 127 lotes, que foram rapidamente
vendidos através de financiamento.
Foi com este empreendimento que Assis colheu, por quase dez
anos, os seus dividendos, o que possibilitou um maior conforto para
a sua família.
Empolgado com o ramo imobiliário resolveu trabalhar por conta
própria, associando-se ao escritório dos conceituados advogados
Afrânio Alvarenga Moreira e Aldo Alves, no edifício Bispo Dom
José, na Avenida Amaral Peixoto, nº 171 sem, contudo, prejudicar
suas funções na companhia de cimento.
Pouco tempo depois, estabeleceu-se no escritório do ex-colega de
faculdade Nilton de Souza e, por fim, inaugurou o seu próprio escritório
no edifico Metrópole, na Av. Amaral Peixoto, nº 71, onde trabalhou
até aposentar-se definitivamente, no início da década de setenta.

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PÓ CALCÁRIO LAVRADOR

Um dos grandes problemas da indústria do cimento era o fino
pó que saía das chaminés das fábricas (conhecido como fíler),
prejudicando parte da vegetação de seu entorno. Isso aconteceu com
a fábrica de Gaxindiba que, na época, produzia 30 mil sacas de cimento
por dia.
A questão era que o pó calcário que saía das chaminés caía nas
propriedades vizinhas, aderindo às folhas e caules das plantações.
Com a umidade e a chuva, o pó se tornava pastoso, colando em tudo
que tocasse. Com o sol, o pó se solidificava e matava as plantas. Isso
aconteceu com a Fazenda dos Mineiros que, para não ficar no prejuízo,
processou a companhia de cimento.
Para evitar processos futuros, a fábrica colocou filtros em suas
chaminés, que recolhiam o pó para ser jogado fora. Toneladas de pó
calcário eram descartadas por mês, sem nenhuma utilidade prática.
Isso mudou com a visita de um empregado da fazenda do deputado
estadual Saramago Pinheiro, que precisava do pó para corrigir a acidez
do solo das suas plantações de arroz, localizadas entre Itambi e
Magé.
Percebendo o potencial do produto, Assis funda a empresa Pó
Calcário Lavrador, que adquire o fíler da Companhia Mauá e o comercializa.
Esta atividade, segundo Assis, “permitiu melhorar o padrão
de vida da minha família”.
Com o tempo, outra utilidade rendosa foi encontrada para o pó
calcário. As usinas de asfalto necessitavam do produto para a fabricação
do concreto asfáltico. Foram vendidas toneladas de pó para
diversas empresas, entre elas algumas empreiteiras que construíram
a BR 116 (Rio-Bahia), tais como a Andrade Gutierrez, EMEC, Construtora
Assumpção, Construtora Rabello e Bahia Construtora. O pro-

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duto também foi vendido para a ERCO, o DER e a SURSAM, no
Estado da Guanabara.
Neste empreendimento, o principal sócio de Assis foi seu filho
Sérgio, que dividia seu tempo entre o trabalho e os estudos na Faculdade
de Direito.

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PRIMO SILVINO

O primo Silvino, com certeza, merece um capítulo à parte. Ricardo
Leite de Assis, ao visitar o pai em Queimadas, foi até a casa
de seu irmão Amâncio. Ao ver Silvino, então com sete anos de idade,
perguntou ao irmão se poderia levá-lo para Araguaia. A intenção de
Ricardo era criar o sobrinho, pois até o momento não tinha gerado
filhos homens.
Um ano depois, nasce José Leite de Assis, o primeiro filho homem
do casal Ricardo e Gracinda. Isso não alterou a forma como
Silvino era tratado pela família de seu tio, pois era considerado o
irmão mais velho de José. Silvino viveu com o tio até completar os
dezenove anos de idade, quando vai para o Rio de Janeiro aprender a
profissão de linotipista.
Assis era muito grato ao primo Silvino por tê-lo hospedado na
época que trabalhava na Duarte Lemos & Cia., na cidade do Rio de
Janeiro. Relembrando este período de sua vida, Assis narrou dois episódios
da vida de Silvino.
O primo Silvino costumava levar para Nova Friburgo alguns
conjuntos regionais que se apresentavam nos salões de baile da
cidade, em especial no salão da Pensão Central. Certo dia, entrando
no trem para Nova Friburgo, José e Silvino encontraram
um rapaz que trabalhava na Duarte Lemos & Cia., que ia visitar
sua namorada friburguense. Durante a viagem, o primo Silvino e
o rapaz se estranharam, pois este havia feito uma grande desfeita
a Assis dias antes.
À noite, o baile estava bastante animado no salão da Pensão
Central. Foi quando Silvino encontrou o rapaz do trem e os dois acabaram
brigando. Silvino levou a melhor, pois sempre socava primeiro
o nariz para atordoar o oponente.

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No dia seguinte, quando os dois primos estavam na estação ferroviária,
para retornar ao Rio de Janeiro, encontram Cleber, irmão da
namorada do rapaz agredido que, furiosamente, começa uma briga.
O primo Silvino, levando a pior, tira do bolso um canivete e começa
a atacar o oponente. Se não fosse a intervenção de Bonin, que era
amigo de ambos, a briga acabaria em tragédia.
O segundo fato é um pouco mais cômico. Silvino, como todo
rapaz solteiro da época, mandava suas roupas sujas para a lavadeira.
E isso era muito constante, pois gostava de andar alinhado. Para se
ter uma idéia, trocava toda quinzena seu chapéu de palha, só porque
o chapéu começava a escurecer. Tudo tinha que combinar.
Um dia, foi convidado para um evento muito importante. Sua
roupa teria que ser a mais arrumada possível. Ao se aprontar, percebeu
que a camisa, que combinava com a calça e os sapatos, não
estava no armário. Lembrou-se da lavadeira e da remessa de roupas
que havia feito a ela. Sem pestanejar, rumou até a casa da lavadeira,
que ficava próxima ao Colégio Pedro II. Ao chegar lá, a lavadeira,
que já era uma senhora de idade, informou que a camisa ainda não
havia sido lavada.
Já estava se despedindo, conformado e pensando em usar outro
traje, quando, para sua surpresa, eis que surge o marido da lavadeira,
um senhor idoso que entrou assobiando e agitando alegremente
uma bengala. Olhando atônito aquela cena, Silvino constata que sua
preciosa peça de roupa estava sendo usada pelo descontraído e impávido
senhor. Não agüentou o desaforo e exigiu que a camisa fosse
devolvida imediatamente. Pegou o restante das roupas que estavam
lá e nunca mais chamou a lavadeira.
Pois é, o Silvino é personagem inesquecível da mocidade do Assis,
que tem sempre uma das muitas peripécias do primo para contar.
Também comenta o noivado e o casamento dele com a Marilda, filha
do Dr. Barroso, até conheceu os familiares da moça. Mantém essas
lembranças e o carinho especial pela filha deles, Nilza Assis, advogada,
já avó, casada com o juiz Roberto Davis, moradores no Rio de
Janeiro.

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JOSÉ LEITE DE ASSIS
SEGUNDO SEUS FILHOS


SÉRGIO CHACON DE ASSIS
o primogênito – advogado – ex-vereador em Niterói
“A educação que meus pais me deram foi primordial para minha
formação. Meu pai me ensinou a lutar pelos meus ideais, sem
nunca interferir nas minhas escolhas. Sempre me ensinou pelo exemplo,
permitindo que eu tivesse minhas próprias experiências.
Eu sempre considerei meu pai o grande companheiro, meu melhor
amigo. Na época da firma do pó calcário e antes, na corretagem
de imóveis, trabalhava com ele e estudava, ajudando a manter a família.
Foi nessa época que aprendi o valor da dedicação ao trabalho.
Ele sempre esteve a meu lado. Sem meu pai eu não saberia como
teria sido meu futuro. Ainda é minha melhor referência.”


JOSÉ CHACON DE ASSIS
o xará do peito – engenheiro – ex-presidente do CREA/RJ
“O que caracterizou a criação dos filhos de Pepa e Assis foi a
completa informalidade de relações e a liberdade. Minha infância
e adolescência foram marcadas pelo livros que meu pai comprava
para toda a família. A coleção Tesouro da Juventude foi uma das
principais obras que influenciaram a minha formação. Nela aprendi
o que era Cidadania, Ética, Ciências e até Ecologia, numa época em
que este conceito ainda não era amplamente divulgado. Devo a ele a
paixão que tenho pela leitura e pelos livros.

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Eu e meus irmãos sempre tivemos amplo acesso à educação e à
cultura. Fizemos cursos de idiomas e de música. Todos tocávamos,
pelo menos, um instrumento musical. Papai sempre procurou disponibilizar
recursos para que nossa educação fosse bem ampla.
Nos momentos mais difíceis da minha vida ele estava lá, com
firme palavra de conforto e ânimo. Ele é meu pai, meu amigo, meu
professor. Esteve presente em toda minha existência, sempre foi meu
principal paradigma.”


PEDRO CHACON DE ASSIS
o bonitão do papai – médico em São Paulo
“Tenho excelentes lembranças da minha infância. Meus pais
sempre foram carinhosos com todos os filhos, amando, respeitando e
educando-os para a vida.
Através do exemplo de meu pai, a disciplina e a generosidade
foram por todos nós introjetadas. O seu perfil ético foi minha grande
referência para forjar o meu caráter.
Mas há algo nele muito mais importante e que o faz transcender
o momento vivido, e que, com certeza, explica a sua longevidade: é
o conhecimento além do senso comum, a que poderíamos chamar de
sapiência. E isso permite que meu pai esteja sempre em paz consigo
mesmo, um verdadeiro Iluminado.
Sou eternamente grato a Assis e Pepa, meus pais, por tudo que
me deram nesta existência .”

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SELMA CHACON DE ASSIS
a caçulinha – professora de piano em S. Antônio de
Pádua/RJ
“Me sinto orgulhosa em ser a única filha de uma família como a
minha. Tanto meus pais quanto meus irmãos marcaram muito minha
vida, contribuindo para a formação do meu caráter.
Sempre gostei das aulas de música, em especial a de piano. Adorava
passar horas treinando, executando todas as obras de que eu
gostava. Como eram doces as notas do piano! Assim também era a
educação que meu pai me dava, ou seja, um suave e prazeroso treinamento
para a vida.
Mesmo morando longe, meu respeito e carinho pelo meu pai
nunca mudaram. Ele é minha vida, a pessoa mais importante da minha
existência.”

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UUM POUCO MAIS

Durante sua vida, José Leite de Assis foi muito influenciado por
seu pai, que era fã da Literatura Brasileira e ardente apreciador das
obras de Casimiro de Abreu, Castro Alves e Rui Barbosa.
E Assis compôs, também, alguns poemas, entre eles o soneto
“Sentimento”, publicado no semanário O Clarim, órgão da Mocidade
Friburguense, em 1925.

SENTIMENTO

Amei-te... amei-te e já não posso,
chegaste-me tarde, arrependida.
Minh’alma desfalecida sinto,
para não mais te amar, querida!
Quando eu te amava tanto,
tanto que para mim tu eras a vida,
em vão declarar-te amor tentei,
por mim passavas despercebida.
Porém, aquele amor veemente
foi, aos poucos, morrendo e aos poucos
vou deixando a vida, não lamento.
Uma coisa aflige-me, somente,
não é paixão nem idéia de loucos.
É, pois, um profundo sentimento.

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Segundo Assis, seu pai sempre pagou colégio particular para os
filhos. Suas primeiras mestras foram as filhas de uma francesa com
um brasileiro, que ensinavam música e recitação. Um dos poemas
que marcam esta fase de sua vida é “Meus oito anos”, de Casimiro
de Abreu:

MEUS OITO ANOS

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d’mor!
Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

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Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberto o peito,
— Pés descalços, braços nus —
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

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Assis lembra que em sua infância, e mesmo depois de formar
sua família, não se criavam em casa passarinhos presos em gaiolas.
Isso graças ao poema “O Melro”, de Guerra Junqueiro, encontrado
em A Velhice do Padre Eterno.

O MELRO

O melro, eu conheci-o:
Era negro, vibrante, luzidio,
Madrugador, jovial;
Logo de manhã cedo
Começava a soltar, dentre o arvoredo,
Verdadeiras risadas de cristal.
E assim que o padre-cura abria a porta
Que dá para o passal,
Repicando umas finas ironias,
O melro dentre a horta,
Dizia-lhe: “Bons dias!”
E o velho padre-cura
não gostava daquelas cortesias.
(...)
Mas nisto o padre-cura titubeante,
Quase desfalecendo,
Atônito de horror, parou diante
Deste drama estupendo:
O melro, ao ver aproximar o abade,
Despertou da atonia,
Lançando-se furioso contra a grade
Do cárcere. Torcia,
Para os partir os ferros da prisão,
Crispando as unhas convulsivamente

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Com a fúria dum leão.
Batalha inútil, desespero ardente!
Quebrou as garras, depenou as asas
E alucinado, exangue,
Os olhos como brasas,
Herói febril, a gotejar em sangue,
Partiu num vôo arrebatado e louco,
Trazendo, dentro em pouco,
Preso do bico, um ramo de veneno.
E belo e grande e trágico e sereno,
Disse:
“Meus filhos, a existência é boa
Só quando é livre. A liberdade é a lei,
Prende-se a asa mas a alma voa
Ó filhos, voemos pelo azul! Comei!” –

Outro poema que marca a sua infância é “O Livro e a América”,
de Castro Alves:

O LIVRO E A AMÉRICA

Talhado para as grandezas,
P’ra crescer, criar, subir,
O Novo Mundo nos músculos
Sente a seiva do porvir.
-- Estatuário de colossos --
Cansado doutros esboços
Disse um dia Jeová:
“Vai, Colombo, abre a cortina
“Da minha eterna oficina...
“Tira a América de lá”.
(...)

49


Bravo! a quem salva o futuro,
Fecundando a multidão!...
Num poema amortalhada
Nunca morre uma nação.
Como Goethe moribundo
Brada “Luz!” o Novo Mundo
Num brado de Briaréu...
Luz! pois, no vale e na serra...
Que, se a luz rola na terra,
Deus colhe gênios no céu!...

50


ESBOÇO DE UM PLANO PARA DESENVOLVER
A AMAZÔNIA E O NORDESTE

- por José Leite de Assis

Niterói, 27 de setembro de 2002.

Ao
Exmo. Sr.
ANTHONY GAROTINHO

Em face do lamentável esquecimento da Amazônia pelos postulantes
ao cargo de Presidente da República, diante das ameaças de
intervenção, internacionalização e ocupação por potências estrangeiras,
tomamos a liberdade de lhe enviar este pequeno esboço esperando
merecer sua atenção.
2. Também, não podemos esquecer do Nordeste, sedento e miserável,
mas que possui um potencial inestimável e que só depende
da água para deslanchar.
3. Assim, urge a criação do MINISTÉRIO DA AMAZÔNIA,
o qual seria responsável pela ocupação definitiva da vasta área que
compreende mais da metade do território nacional.
4. Caberia ao novo Ministério, dentre outros, a implementação
dos Projetos CALHA NORTE e SIVAM e, ainda, a instituição de
AGROVILAS na embocadura dos principais afluentes dos rios Amazonas,
Negro e Solimões.
5. Referidas AGROVILAS deveriam possuir aeroportos, cais
acostáveis para navios de grande porte e tudo o que fosse necessário
para facilitar a navegação ao longo das dezenas de milhares de quilômetros
da malha amazônica.
6. A construção naval seria desenvolvida intensamente, objetivando
o rápido e seguro povoamento da importante região amazônica.

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7. As queimadas passarão a ser consideradas crime ambiental,
sujeitando os infratores às penas da Lei.
8. Os desmatamentos indiscriminados seriam suspensos por cinco
anos, para avaliação dos estragos já causados ao meio ambiente.
9. Terá importante papel no contexto o atual Ministério da Defesa,
tanto na zona da fronteira, como no desenvolvimento das AGROVILAS.
Para isso, seria convocado o Voluntariado, de preferência
formado por nativos, já aclimatados e conhecedores da região. Não
se pode esquecer que o número de índios já é maioria nos destacamentos
de fronteira.
10. Por outro lado, observamos que o Nordeste brasileiro está a
merecer algo mais que uma simples Superintendência, cabendo sugerir
a criação do MINISTÉRIO DO NORDESTE.
11. Tal Ministério, voltado tão-somente para o problema primordial
que assola grande parte do território nordestino, acreditamos,
poderia ser a solução definitiva da questão.
12. Com o importante Ministério a ser criado, combateríamos diretamente
a seca que tanto sacrifica a vida daqueles bravos patrícios,
desde o Brasil Colônia, até os dias atuais, extinguindo-a definitivamente,
como também a indústria da seca, de exploração constante.
13. Cremos que a solução mais fácil, conforme tem sido invocado
em sua campanha, seria a “extração da água do subsolo”, encontrada
em abundância, para o que poderia ser convocada a PETROBRAS
que está devidamente aparelhada para essa empreitada, pois
faz perfurações à procura de petróleo.
Na certeza de poder contribuir com as presentes sugestões ao
Programa de Governo do ilustre patrício, colocamo-nos ao seu inteiro
dispor, augurando-lhe pleno sucesso na campanha com a VITÓ-
RIA final.

JOSÉ LEITE DE ASSIS
brasileiro, diplomado em 1945 pela Faculdade de
Ciências Econômicas e Administrativas de Niterói,
com endereço na Rua Luiz Leopoldo Fernandes
Pinheiro, nº 534, sala 204, Centro, Niterói, RJ, CEP
24030-121, tel. (21) 2719-5836

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FLAMENGO

José Leite de Assis
Por Antoane e Jean Pierre Domingues

Sempre gostei de futebol. E desde que me conheço sou flamenguista
convicto. Acho que já nasci assim, com o FLAMENGO
no coração.
Ainda me recordo das tardes em que jogava em Nova Friburgo,
no time infantil do Esperança Futebol Clube. Na minha adolescência,
ainda em Nova Friburgo, joguei no segundo time do Fluminense
Futebol Clube. Joguei para outros times sim, eu admito. Mas minha
alma sempre foi flamenguista.
Guardo boas recordações dos meus companheiros de futebol
em Nova Friburgo. Passei momentos inesquecíveis ao lado de Luiz
Gonzaga Caputo (Zaga) – flamenguista, Manoel Ribeiro (Maneca)
– botafoguense, e Cardoso Moreira - tricolor.
Quando me mudei para o Rio de Janeiro tive que parar de jogar.
O estudo e o trabalho tomavam todo meu tempo. Mas não deixei de
torcer pelo meu time. Tornei-me até torcedor oficial quando, junto
com o primo Silvino, entrei como sócio do Clube de Regatas do Flamengo.
Também comecei a freqüentar o Maracanã, mas apenas para
assistir aos clássicos do futebol.
Mesmo depois de casado não parei de torcer pelo FLAMENGO.
Em Niterói, meus companheiros inseparáveis nos jogos eram
meus cunhados Newton Pio Borges, torcedor do América, e José Maria
Echebarrena, além do meu filho Sérgio e do amigo Asdrúbal Luz,
marido de Dona Lourdes, flamenguistas.

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Vale lembrar que Dona Lourdes era uma peça-chave nas nossas
idas ao Maracanã, pois sem ela não teríamos os deliciosos pastéis de
camarão que tanto nos deram força para torcer.
Sem saber, o FLAMENGO me deu um presente espetacular.
Ele me proporcionou, no meu centenário, a alegria de ver meu time
recebendo o 18º Título de Campeão da Taça Guanabara de Futebol.
Sou flamenguista e já avisei que...
“Quando eu morrer não quero choro nem vela...
Quero uma fita amarela, gravada com o nome dela...”
E uma bandeira do FLAMENGO.

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AS VIAGENS QUE
FIZ COM MEU PAI

Pedro Chacon de Assis

Poetas, filósofos, psicólogos e muitos outros afirmam, com toda
razão, que a paixão cega as pessoas, e o Assis não poderia fugir
a esta regra. Eterno e completo apaixonado por Niterói, em todas as
viagens que fizemos juntos, nunca o vi admirar-se diante das muitas
belezas dos lugares visitados.
Fomos ao Sul – Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Serra
Gaúcha; passeamos pelo Nordeste – Teresina, São Luís, Fortaleza;
vimos o interior e o litoral de São Paulo – Campinas, Jaú, Barra Bonita,
Avanhandava, Atibaia, Araçatuba, Salto, Itu, Santos, Guarujá...
O tempo todo comparando tudo com Niterói, sempre concluía que
nada do que via era mais bonito do que sua terra de adoção.
A curiosidade que gostaria de deixar registrada, é que, há exatos
30 anos, em pleno carnaval, o Assis resolveu aceitar meu convite
para uma viagem ao Sul. Teria, para tanto, que separar-se de sua outra
grande paixão, Pepa, posto que ela não poderia deixar de olhar a
Selminha.
Viagem iniciada a quatro – eu, Assis, Glória e Rita de Cássia
– no fusquinha, a saudade de Pepa bateu forte e foi apertando. Já não
suportando vê-lo em tão grande sofrimento, tive que mandá-lo de
volta num avião, em Florianópolis, antecipando assim o seu regresso
aos braços de Pepa.
Também, esta tinha sido a primeira vez e única vez, em 34 anos de
casamento, que eles haviam se separado, por cinco longas noites...

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DUAS FESTAS E
TANTOS MENINOS

José Leite de Assis,
por Beatriz E. Chacon de Assis

Em 1918, eu com meus dez anos, estudava na classe das professoras
Carmem e Célia Silva. Era escola particular, não se usava
emblema nem uniforme. E o meu sonho naquela época era participar
bastante da festa do Centenário de Nova Friburgo, a minha Cidade.
O desfile escolar pela avenida principal, o coreto, autoridades,
convidados, ruas enfeitadas, o garbo, a banda... Ah, a banda deveria
chegar ainda mais imponente, seria mesmo uma beleza. Mas, e o meu
uniforme? As crianças da escola pública já estavam convidadas para
o desfile tão importante. E eu? Então, minha mãe me compreendeu,
me deu aquela sua mãozinha suave, logo eu estava matriculado no
Grupo Escolar Constantino Ferreira. Naquela data especial, a fatiota
engomada, todo garboso eu ia, um sonho que desfilava. O Hino do
Centenário na ponta da língua:
“Friburguenses, cantemos o dia
Que surgindo glorioso hoje vem,
Nesta plaga onde o amor e a poesia
São como as flores nativas também.
Escutando os rumores da brisa,
Refletindo esse céu todo azul,
O Bengalas sereno desliza
Sob o olhar do Cruzeiro do Sul.

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Salve, brenhas do Morro Queimado,
Que os suíços ousaram varar,
Pois que um século agora é passado,
Vale a pena esse tempo lembrar.
Do suspiro na fonte saudosa,
Há três almas que gemem de dor,
Repetindo esta prece maviosa
Da saudade, do ciúme e do amor.”

Logo depois do evento, deixei o uniforme no canto, é claro, retornei
à classe particular da Professora Carmem. E em 1968, retornei
a Friburgo pra festa do Sesquicentenário. Há tanto, um feliz morador
de Niterói, casado, pai de quatro filhos, lá fui eu com a minha Pepa
e Dulce, minha irmã inseparável. Eu e a Cidade, um reencontro feliz
– mais o Waldemar Valente, ilustre tocador de caixa na Banda Euterpe
Friburguense, vindo lá todo empolgado com seus repeniques pelo
desfile. Era sim o Waldemar, também desfilou na festa de 1918.
Mais cinqüenta anos haviam se passado na melodia de um dobrado,
ecos de marchas e requintas. E estavam por ali mais meninos,
muitos, muitos, tantos meninos, também eu, sessenta anos. Mais ao
longe, um menino de uns dez anos se vai, e vai cantando um hino, eu
reconheço, sei de cor, e vai alegre como só os meninos das avenidas
antigas sabem ser.

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Este livro foi mandado imprimir com a tinta forte do afeto pelos filhos de
JOSÉ LEITE DE ASSIS, em comemoração ao seu CENTENÁRIO, na cidade de
Niterói, Estado do Rio de Janeiro, no mês de abril de dois mil e oito,
ano que também registra o
Centenário do Arquiteto Oscar Niemeyer,
Centenário da Imigração Japonesa no Brasil,
Centenário de despedida do nosso Escritor Maior Machado de Assis,
Centenário do Compositor Cartola,
Centenário da Cruz Vermelha Brasileira,
Centenário de Guimarães Rosa,
Centenário da Associação Brasileira de Imprensa,
Bicentenário da Gazeta do Rio de Janeiro,
Bicentenário da chegada da Família Real Portuguesa ao Brasil,
e a conquista do 18º Título de Campeão da Taça Guanabara de Futebol,
pelo Clube de Regatas do Flamengo.

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2 comentários:

Carlos Alkmin disse...

Olá,

Cheguei até o seu blog pelo uso da palavra-chave "Cine Barlam".

Fiz isto apenas para ver se na web havia alguém falando sobre um brinquedo infantil que pertenceu a meu irmão mais velho e que, por acaso, ainda tenho. Durante minha infância, cheguei até mesmo a brincar com ele e criar meus próprios filmes, usando papel-manteiga e tinta nanquim. Sempre fui um apaixonado por desenho e talvez venha daí o começo do meu gosto por cinema e fotografia. Mais um pouco e eu teria seguido carreira em animação. Acabei indo mais para a direção de arte em publicidade, que usa o desenho. E, de uns anos para cá, atuo mais em fotografia.

Bem, mas o que importa é que admirei muito o trecho em que você diz: "aprenderam o valor do trabalho e do dinheiro. Um
exemplo disso é Sérgio que, na época de menino, vendia ingressos
aos seus coleguinhas para a exibição de filmes, na varanda de sua casa, usando um projetor infantil, o Cine Barlam". Isto é mais ou menos o que o meu irmão fazia na infância.

Resumindo, escrevo apenas para dizer que achei bonita a história do seu antepassado.

Um abraço,

Unknown disse...

Olá!
Cheguei a essa página procurando pelo dr. Pedro Chacon, e não pude não me emocionar com tamanha história de luta!
Parabéns!
Entretanto, continuo necessitanto do contato desse colega, visto que faço medicina na UFF, e hoje, meu diretório acadêmico precisa da ajuda de seus ex e eternos integrantes.Ficaria muito contente se entrasse em contato.
Obrigada,
Priscila Amorim.
email: prisamorin@hotmail.com
tel:41262928